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Pirâmide etária em desequilíbrio 

 “A não realização do Censo destrói toda a possibilidade de se planejar um país”, alerta ex-presidente do IBGE

Equipe: Larissa Cristina, Nathalia Vergara,
Nikolas Alves e Sara Nonato

Em decorrência da pandemia da Covid-19, pela primeira vez, em 120 anos, foram registrados mais óbitos do que nascimentos na região sudeste do Brasil. Segundo dados do portal da transparência da Associação dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen), durante o mês de abril de 2021, a região registrou 5.226 óbitos a mais que nascimentos. Não coincidentemente, entre 20 de março e 20 de abril deste ano, ocorreu o maior número de mortes por Covid-19 no país: 95.461 pessoas morreram com suspeita ou confirmação de Covid-19, segundo dados da Arpen. "A população brasileira começaria a diminuir somente a partir de 2047. Só que a pandemia, provavelmente, está adiantando esta data", indica José Eustáquio Alves Diniz, doutor em Demografia pela Universidade Federal de Minas Gerais, com estágio pós-doutoral realizado no Núcleo de Estudos de População (Nepo), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). As projeções do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) vão ao encontro das do pesquisador. De acordo com o entidade, essa mudança de padrão entre as taxas de mortalidade e natalidade já era esperada, mas somente para as próximas décadas.

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Essas alterações demográficas são analisadas a partir da pirâmide etária, gráfico criado pelo IBGE, baseado em dados coletados durante o Censo, para criar um perfil demográfico do país. A desinformação causada pela falta do Censo Demográfico em 2020 prejudica a construção de ferramentas úteis para recensear a população, como a pirâmide etária. De acordo com Gabriela Lotta, professora e pesquisadora de Administração Pública e Governo da Fundação Getúlio Vargas (FGV), o Censo é a única pesquisa universal desenvolvida no Brasil, cujos dados são a base para a construção das pesquisas amostrais. "Por exemplo, a gente faz o Censo a cada dez anos, mas todo ano fazemos várias pesquisas amostrais e, para fazer essas pesquisas, nós usamos os dados do Censo, a partir daí fazemos uma projeção do quanto cresceu ou diminuiu aquele indicador específico que observamos na pesquisa amostral”, explica.

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Com os dados coletados pelo Censo, é possível georreferenciar a população, ou seja, saber exatamente onde são necessárias as ações de políticas públicas, como por exemplo, as construções de instituições, como creches e asilos, respeitando as especificidades de cada região do Brasil. A pirâmide etária permite traçar o perfil populacional brasileiro de acordo com a "faixa etária" e o "sexo", possibilitando visualizar a taxa de crescimento, evolução dos grupos etários, distribuição percentual de homens e mulheres, população total, taxas brutas de mortalidade e natalidade, entre outros indicadores.

 

Além disso, a pirâmide etária consegue criar projeções demográficas, podendo, assim, prever a quantidade de pessoas que precisarão da previdência social nas próximas décadas. Lotta contextualiza a importância desses dados durante a pandemia do coronavírus: “Quando a gente quer saber, por exemplo, quantas pessoas na faixa etária de 50 a 60 anos nós temos nos municípios brasileiros para distribuir as doses de vacina, nós usamos as projeções baseadas em dados do Censo”, explica a doutora em Ciência Política.

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O prazo de uma década entre as realizações do Censo Demográfico leva em conta o fato de que as mudanças demográficas geralmente ocorrem de forma lenta. No entanto, acontecimentos de grande impacto populacional, como a pandemia de Covid-19, podem alterar o ritmo natural das coisas. Com isso, a falta de dados atualizados impossibilita a elaboração de um diagnóstico preciso das necessidades do país. Para Roberto Olinto, ex-presidente do IBGE (2017-2019) e funcionário da Instituição por mais de 35 anos, a falta do Censo em 2020 prejudica a realização de pesquisas amostrais: “A pesquisa de emprego, a pesquisa de renda, todas essas pesquisas são baseadas em uma amostra que vem do Censo e, obviamente, elas já estão com problema, porque são baseadas em 2010 e nós estamos em 2021”, alerta.

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São diversas as pesquisas realizadas por amostragem, as principais são: a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) - divulgada a cada três meses e com maior abrangência territorial, a fim de calcular a taxa de desemprego, renda, educação e outras características gerais da população; a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) - responsável por levantar dados sobre os orçamentos domésticos, com o objetivo de avaliar a composição dos gastos, principalmente com relação ao perfil nutricional das famílias. É a partir dos resultados da POF que é definida a composição da cesta básica brasileira; a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) - responsável por levantar todos os dados referentes à saúde pública, as informações da PNS alimentam o banco de dados do SUS, o DataSUS, e ajuda a calcular a distribuição de recursos da Saúde e assistenciais, como, por exemplo, a vacina; além das pesquisas eleitorais. Fora isso, a própria pirâmide etária pode ser desenhada anualmente. Veja a seguir a versão mais recente e a comparação com os dados de 2012, que apontam um decrescimento populacional ao longo dos anos:

Entendendo a pirâmide etária

Com o retrato da pirâmide etária é possível analisar a expectativa de vida como um todo. A pirâmide é formada por três momentos que ajudam a acompanhar a evolução populacional, além de indicar o que fazer para que o crescimento natural da população seja contínuo, com um número suficiente de nascimentos e sem uma população adulta e idosa excessiva, são eles: a base da pirâmide, o meio da pirâmide e o topo da pirâmide.

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A base da pirâmide se refere à população mais jovem e, a partir destes dados, é possível analisar a taxa de natalidade, fecundidade e longevidade. De acordo com o resultado, busca-se um planejamento público de médio e longo prazo. Caso a base da pirâmide seja muito pequena, como é o caso do estado de Minas Gerais, que tem 3,08% da população feminina e 3,24% da população masculina com idade entre zero a quatro anos.

Legenda: Projeção da População do Brasil e do Estado de Minas Gerais. Fonte: IBGE

Nessa situação, é necessário buscar, por exemplo, políticas públicas que combatam a mortalidade infantil ou incentivem a fecundidade. Caso a base esteja larga, como é o caso de o caso de Roraima, com 4,76% da população feminina e 4,99% da masculina de zero a quatro anos, também é necessário planejar a criação de mais creches e escolas e outras políticas públicas de curto a longo prazo, na área da saúde e da educação, a exemplo de cursos profissionalizantes, direito à consultas e exames gratuitos, vacina, incentivo ao lazer e outras culturas, e etc. Diversas ações que visam aumentar a longevidade da população, além de garantir uma sociedade mais desenvolvida.

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Legenda: Projeção da População do Brasil e do Estado de Roraima. Fonte: IBGE

O meio da pirâmide ajuda a realizar projeções etárias, definindo como seguirá a evolução da população em termos de expectativa de vida e de sobrevida, tempo a mais que uma pessoa espera viver quando atingir determinada idade. Ela engloba a população adulta, com idade entre 18 e 60 anos e economicamente ativa, ou seja, na fase produtiva, além de notar qual é o envelhecimento populacional. O meio da pirâmide é essencial para compreender o perfil populacional do país. No Brasil, o estado com o meio da pirâmide mais largo é o de Goiás, abarcando 33,6% da população feminina e 33,06% da população masculina, que pode ser enquadrada como economicamente ativa.

Legenda: Projeção da População do Brasil e do Estado de Goiás. Fonte: IBGE

O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), entre diversas funções, registra e monitora, anualmente, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), unidade de medida usada para classificar o grau de desenvolvimento econômico e a qualidade de vida dos países. O IDH varia em uma escala que vai de zero a um, quanto mais próximo de um, maior o desenvolvimento humano. Em 2019, a Noruega figurou em primeiro lugar no ranking do IDH, pontuando 0,957 na escala do Pnud. Naquele mesmo ano, a representação da pirâmide etária do país era a seguinte: 17,33% da população entre zero e 14 anos; 65,13% entre 15 e 64; e 17,55% mais velha que os 65 anos. Com isso é possível compreender um meio da pirâmide maior comparado à base e ao topo e, consecutivamente, um país com mais pessoas que podem se enquadrar como economicamente ativas. Os países mais desenvolvidos são aqueles com um meio da pirâmide mais alargado.

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Já o topo da pirâmide permite analisar se houve um envelhecimento da população e, portanto, mostra um país com maior qualidade de vida. Além disso, mapeia todos que recebem benefícios como as aposentadorias por idade e invalidez. Os estados com as maiores taxas de envelhecimento populacional são Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Conforme projeções do IBGE, em 2021, o índice de envelhecimento, que mede a relação entre a população de 60 anos ou mais e a população de zero a 14 anos, é de 94,1% no Rio de Janeiro e de 107,2% no Rio Grande do Sul. O índice de envelhecimento geral do País é de 71,1%.

De acordo com as projeções da pirâmide sobre a evolução dos grupos etários da população brasileira, é possível observar a evolução dos grupos etários projetados ao longo dos anos. Com isso, ela nos permite verificar possíveis situações de dependência demográfica - quando a população economicamente ativa não é suficiente para manter pessoas que não trabalham; ou bônus demográfico - quando a maior parte da população está em idade produtiva.

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O pós-doutor em demografia José Eustáquio, afirma que o Brasil está em seu melhor momento demográfico, ou seja, as pessoas com idade para trabalhar são suficientes para manter a população improdutiva. “A razão de dependência demográfica está no menor nível de toda a história brasileira. Isso porque tem muita gente no meio da pirâmide, diminuiu muito a base e ainda não cresceu muito no topo. Então essa alta concentração de pessoas em idade produtiva é o que a gente chama de bônus demográfico”, explica o pesquisador.

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Fonte: IBGE 2019. / Arte: Nikolas Costa

No entanto, Eustáquio destaca que a pandemia do coronavírus afetou as taxas de mortalidade e natalidade, o que pode ter causado uma interferência na dinâmica populacional do país. “A pandemia prejudicou muito o aproveitamento do bônus demográfico porque além de ter um efeito na mortalidade e na natalidade ela também afetou muito o mercado de trabalho”, pontua.

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Além disso, em 2020, em decorrência da pandemia, não foi possível realizar o Censo para melhor compreender quem foram os mais atingidos pela crise sanitária e onde estão. Portanto, além de gerar uma falta de dados em todo o país, as  estimativas não são exatas.

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Esta falta de dados para atualizar as projeções afeta os investimentos em todas as políticas públicas, assim, uma das primeiras soluções, antes de ser novamente adiada, foi de se fazer a pesquisa em 2021. Porém, para Roberto Olinto, fazer o Censo seria uma temeridade. “O IBGE tinha que ter coragem de adiar o Censo mais um ano, em cima da qualidade da pesquisa. Claro que o adiamento é uma atitude drástica, mas em certos momentos você tem que ter coragem. O que eu vou perder adiando, eu vou ganhar em qualidade”, pontua.

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Segundo Roberto, o Censo Demográfico é o núcleo de todas as informações da população brasileira e, portanto, sem ele, é impossível de se planejar um país. No caso do Brasil, a pesquisa censitária é realizada com base em dados pessoais, colhidos a partir de questionários realizados com quase toda a população. Porém, assim como o planejamento público é diferente em outros países, sua realização sua realização também acontece de formas distintas: “Nos países nórdicos não se faz mais Censo porque toda informação demográfica já está em bases de dados administrativos. Em um país desses, quando você muda de casa você vai na polícia e diz que se mudou. Isso vai para um banco de dados. Tem, por exemplo, um único documento, em vez de você ter vários igual ao Brasil, como CPF e identidade. Você tem um número e ele permite você construir uma base de dados. O número único tem uma vantagem, pois ele diz qual foi o município que você nasceu, seu tipo sanguíneo, informações úteis da população”, explica o pesquisador.

Pirâmide etária e Políticas públicas

A partir dos dados fornecidos pela pirâmide etária, é possível construir políticas públicas. O governo consegue saber qual a necessidade da população de acordo com a idade. Isto é, as políticas públicas se adaptam ao perfil etário populacional. Por exemplo, um país que tem a maioria de sua população no grupo considerado ativo economicamente, tende a não precisar se preocupar com problemas no sistema previdenciário, porque os cidadãos ainda ativos conseguem manter os cidadãos que não possuem força de trabalho.

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O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), responsável por gerir a previdência no Brasil, não tem uma fonte de dados própria, como o SUS. Para fazer os cálculos de previsão do déficit previdenciário, o instituto se baseia nas informações de expectativa de vida fornecidas pelo IBGE, que estão diretamente ligadas à pirâmide etária. Por isso, sem uma pirâmide etária atualizada, os dados incorretos podem interferir diretamente na previdência social, especialmente em momentos como o que vivemos. Além de termos passado por uma reforma previdenciária recentemente, a pandemia da Covid-19 ainda está em seu pico. 

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Segundo Rainer Bomfim, especialista em Direito Previdenciário e mestre em Direito pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), depois da reforma da previdência, aprovada em 2019, as pessoas que já podem receber o benefício são mulheres com 62 anos que contribuíram para a previdência por 12 anos e homens com 65 anos que contribuíram por 20 anos.

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Afetando assim, alguns pontos importantes para o cálculo do déficit previdenciário como a expectativa de vida, porcentagem de pessoas que estão economicamente ativas e a população que depende de benefícios, mas que já não contribuem mais.

​​Fonte: IBGE 2019. /Arte: Nikolas Costa

Essa alteração no padrão previdenciário durante a pandemia pode ser vista no caso de Eva Nonato, 52, funcionária pública da área da saúde, que teve sua aposentadoria adiada após assinatura da PEC 173. A PEC foi assinada pelo governo federal em 2020, responsável por pausar a contagem de anos trabalhados de funcionários públicos durante a pandemia. Eva relata que tem cerca de 40 anos de trabalho, começando a trabalhar aos nove anos, de maneira informal. Em 2021, Eva completou 25 anos desde que ingressou na Prefeitura de Belo Horizonte por meio de um concurso público, mas já trabalhou dez anos com carteira assinada antes de seu ingresso. Eva, que já tinha planos para depois de aposentar, diz se sentir triste e frustrada: "Meu sentimento é de revolta, porque eu trabalho desde os nove anos. Já estava na época de aposentar por tempo de serviço e infelizmente não vou poder me aposentar por causa disso. Fiquei muito decepcionado mesmo!" 

Meu sentimento é de revolta, porque eu trabalho desde os
nove anos. Já estava na época de aposentar por tempo de serviço e infelizmente não vou poder me aposentar por causa disso. Fiquei muito decepcionada mesmo!

Eva Nonato, funcionária pública

Políticas públicas pensadas a partir da pirâmide etária são desenvolvidas para controlar a taxa de natalidadeSe a tendência é que a pirâmide avance para ter mais pessoas idosas que jovens, ao mesmo tempo em que o número de nascimentos não é o suficiente para suprir esse déficit, a tendência é que o governo incentive a população a ter mais filhos. Quando há nascimentos acontecendo de forma exagerada, o Estado busca formas de conter esses nascimentos. A depender do país, essa contenção pode se dar por meio de educação sexual para a população, distribuição gratuita de métodos contraceptivos, ou em forma de leis mais autoritárias, que impedem que famílias tenham mais que a quantidade de filhos permitida pelo Governo. A China, por exemplo, controla a taxa de natalidade de maneira mais autoritária. Foi somente em 2021, o país permitiu mais de um filho por família.

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A promoção da saúde pública também pode ser pensada a partir da pirâmide etária. A maioria das vacinas aplicadas no Brasil através do Sistema Único de Saúde (SUS) são divididas por faixa etária e a compra e produção dessas vacinas leva em conta o quantitativo populacional, a faixa etária e a distribuição geográfica. Essa distribuição da vacinação por faixa etária, na rede pública, não é um fato decorrente da pandemia de Covid-19, apesar desse modelo de distribuição estar em evidência agora. As vacinas, quando aplicadas pelo SUS, seguem o padrão etário, desde o recém nascido ao idoso; umas por precisarem ser tomadas em uma certa idade para garantir sua efetividade ou evitar o risco de efeitos adversos, outras para melhor controle epidemiológico da população a ser vacinada. Dois exemplos são: a vacina contra o Papilomavírus Humano, popularmente conhecido como HPV, que é destinada às meninas de nove a 14 anos e meninos de dez a 14 anos; e a da gripe, que é disponibilizada para crianças de seis meses a seis anos e idosos acima de 60 anos, além de pessoas com outras comorbidades.

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Mesmo com o DataSUS, a falta de dados oficiais, como os apresentados na pirâmide etária, pode afetar esses serviços. O Censo é a pesquisa com maior número de amostras no país, o que faz com que ela seja também a com menor taxa de erro, como explica Roberto Olinto: “A não execução do Censo destrói a base do sistema estatístico porque todas as demais informações posteriores serão baseadas no Censo. É muito mais fácil fazer a vacinação se você tem o Censo porque o SUS usa [os dados coletados] para saber onde estão as pessoas, qual é a faixa etária, quantos são jovens, quantos são idosos, e então faz a distribuição das vacinas. Não é no ‘chute’, atualmente, eu até acredito que estejam usando os dados demográficos, mas já estão desatualizados.”

​​Fonte: IBGE 2019. /Arte: Nikolas Costa

Pirâmide etária e Pandemia

Ainda não é possível mensurar os impactos na pirâmide etária em razão do adiamento na realização do Censo. No entanto, José Eustáquio, especialista em Demografia, estima uma inversão no formato da pirâmide, além de uma queda de dois anos na expectativa de vida que atualmente é de 74,8 anos. Esta queda pode ser vista no estudo “Redução na expectativa de vida no Brasil em 2020 após a Covid-19”, liderado pelo Departamento de Saúde Global e População da Universidade Harvard, nos Estados Unidos.

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“A pandemia da Covid-19 já matou mais de 500 mil brasileiros. O Brasil é o segundo país mais afetado pelo número de mortes, perdendo apenas para os Estados Unidos, mas provavelmente deve passar o país em número acumulado de mortes até o final de agosto de 2021, [visto que] a média diária de mortes no Brasil está muito mais alta e a pandemia afetou, principalmente, até o momento, a população mais idosa”, aponta o pesquisador.

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Apesar das estimativas em relação ao número de óbitos, ainda não é possível afirmar se as mudanças na pirâmide estão diretamente associadas à pandemia do Coronavírus.  Roberto Olinto, por exemplo, tem dúvidas se tais mudanças ocorreram devido a pandemia ou pela falta do registro das alterações populacionais em 2020, e acredita que esse questionamento nunca terá uma “resposta” correta:  “Mas aí vai ficar uma dúvida filosófica e eterna que é o seguinte, a mudança foi por causa da pandemia ou foi por causa da dinâmica populacional? Você nunca vai saber (...) Você consegue identificar a transição mas não sabe ao certo todos os fatores que levaram a isso na identificação do detalhe ainda mais com a pandemia”.

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Até o fechamento desta reportagem, o número de óbitos em decorrência da doença passou mais de 550 mil, desta forma, já era esperado que houvesse significativas mudanças na pirâmide etária. Segundo José Eustáquio, de todas as vítimas da doença, 56% são homens e 44% são mulheres, sendo 70% pessoas de 60 anos e mais.

Fonte: Portal da Transparência

José Eustáquio também revela que, além da grande mortalidade, a pandemia da Covid-19 também afetou as taxas de natalidade: “No começo da pandemia, muita gente achava que haveria um baby boom no Brasil, ou seja, os casais iam ficar dentro de casa, não ia ter nada para fazer, iam fazer sexo e gerar muitas crianças. Na época eu discordei dessa visão, mostrando que isso não iria acontecer e, de fato, não aconteceu, aconteceu exatamente o contrário, as taxas de natalidade caíram durante a pandemia.”

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De acordo com o Portal da Transparência, foram registrados quase 2,7 milhões de nascimentos em 2020, cem milhões a menos que no ano anterior. Essa mudança, além de mostrar que teve uma baixa na taxa de natalidade, não compensou a taxa de mortalidade, com um registro de 200 milhões de óbitos a mais entre os anos de 2019 e 2020.

Sobre esse aspecto, o pesquisador destaca os riscos sanitários como um dos motivos da baixa taxa de natalidade. "É muito arriscado ter filho numa situação dessa, os hospitais estão colapsados, você tem uma doença que principalmente a gestante, como a criança, podem ficar infectados então é um risco muito grande. Então quem pôde adiar a natalidade adiou e o resultado é uma redução do número de nascimentos no Brasil durante o ano de 2020 e vai ter uma redução ainda maior em 2021”.

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Esse é o caso da cabeleireira Vanessa Martins de Sousa, 36, casada há cinco anos. Apesar do planejamento para engravidar, que inclui a ida regular ao ginecologista e a suspensão da pílula anticoncepcional, ela resolveu adiar um pouco mais seus planos devido à pandemia e os riscos que a Covid-19 traria para uma gravidez. “Em março de 2020 veio a pandemia, aí foi onde a gente falou, não, não dá para a gente ter [um filho]. Então vamos esperar, e foi aonde a gente parou. O pensamento de começar a tentar foi adiado por conta da pandemia. Porque eu trabalho com muitas pessoas, a gente não sabia como era a Covid. Então a gente resolveu conhecer melhor como ia ser, como que a gente ia reagir, o medo de engravidar e pegar essa doença”, comenta Vanessa.

Vanessa Martins e seu esposo, Felipe. Fotos: Acervo pessoal Vanessa.

Assim como Vanessa planejava o momento ideal para engravidar, a fisioterapeuta Renata David Vergara, 38, também planejou seu segundo filho e, em 2019, engravidou. Porém, não imaginava que ele nasceria em 2020, em meio à pandemia: “Isso ficou bem marcante porque foi um momento muito difícil pra mim. Inicialmente, porque eu me peguei com várias novidades que era estar grávida no meio de uma pandemia que a gente não sabia ao certo como era, não sabemos muito bem até hoje, depois de quase um ano e meio.”

Renata e sua família. Fotos: Acervo pessoal Renata.

Renata relata, também, como a ansiedade e a preocupação com a pandemia prejudicaram em todos os momentos: durante a gravidez, no parto e após o nascimento do seu filho. Durante os exames, por exemplo, a fisioterapeuta lamentou muito porque não pôde levar sua filha para ver os ultrassons a fim de explicar para ela que ela teria um irmão e, consequentemente, ajudar na adaptação entre ambos. Os avós, que geralmente são figuras muito presentes e ajudam com a chegada de um bebê, também só puderam conhecer seu neto pessoalmente três meses após o nascimento, uma vez que no início da pandemia ainda não se sabia ao certo sobre a Covid-19 e todos viviam momentos de muitas incertezas.

Incerto é, também, o impacto que a pandemia pode causar na estrutura demográfica do país. Originalmente previsto para ser realizado em 2020, o Censo Demográfico foi adiado. Além disso, no Orçamento de 2021, também não houve verbas previstas para a pesquisa censitária. Assim, fora isso, os impactos que a ausência da pesquisa pode registrar, inclusive na realização de políticas públicas, há ainda uma questão importante a ser considerada: a falta de acessibilidade em torno do Censo. 

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O pesquisador Roberto Olinto entende que mesmo sendo uma pesquisa muito grande e que contabiliza grande parte da população, ela não é acessível para todos. A maneira como os dados e as informações são dispostas devem ser entendidas por toda a população brasileira: “Mudar a narrativa significa que os dados do instituto estatístico têm que ser compreendidos por toda população, não só pelo especialista. Não adianta você fazer uma coisa escrita só em ‘estatiquês’, ‘amostrês’, ‘geografiquês’. Tem que ter uma narrativa em que a pessoa do interior do Brasil seja capaz de entender. Se a pessoa se interessar, ela tem que poder ir lá e entender. Se olhar o glossário do IBGE, ele é quase inteligível porque é feito por especialista”, finaliza Olinto.

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