top of page
Foto Brasil sem Foco.png

Brasil sem foco 
 

 A não realização do Censo Demográfico em 2020 mancha a apuração de dados nacionais, além de prejudicar a democracia e a elaboração de políticas pelo poder público

Equipe: Carla Cruz, Júlia Maia,
Lívia Maria, Lucas Miranda

Quem era o Brasil há dez anos? Já pensou sobre isso? Em 2010, a população brasileira estava composta por 97.342.162 mulheres e 93.390.532 homens. Dos 57,3 milhões de domicílios particulares permanentes naquele ano, 38,7% tinham mulheres como responsáveis. Entre as mulheres brancas, 58,4% estavam entre as trabalhadoras com carteira de trabalho assinada e 57% eram as mulheres pretas ou pardas trabalhadoras domésticas. Maria, 34, mãe solo, preta, empregada doméstica e assistida por programas assistenciais do Governo, estava dentro desta contagem. 

​

Uma década antes, no ano 2000, a taxa de mortalidade era de 30%. Em 2010, havia caído quase pela metade: 17%. Maria tinha dois filhos, número compatível com a taxa de fecundidade no país: em 2010, a taxa era de 1,90 filhos por mulher. Em 2000, 2,39. Maria mora na região Norte do país, região com o maior número de crianças fora das escolas. No entanto, seus dois filhos frequentavam as aulas, ambos na rede pública de ensino. 

​

Os dados acima, além de apresentarem o Brasil de 2010, são reveladores da importância da realização constante de pesquisas institucionais e demográficas. Todos eles foram pesquisados, apurados e descritos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o principal provedor de informações geográficas e estatísticas do país, capaz de responder quem é o Brasil e fornecer um retrato de sua população. É prerrogativa constitucional que o Censo Demográfico ocorra de dez em dez anos, como foi nos anos 2000 e 2010. Mas, pela segunda vez, em 80 anos, essa periodicidade foi quebrada. Desde quando a pesquisa começou a ser realizada pelo IBGE, em 1940, apenas em 1990 o Censo foi adiado, por um ano, ocorrendo em 1991. Em 2020, não houve Censo. E isso é um problema. 

​

Primeiro a pesquisa foi suspensa em decorrência da pandemia da Covid-19, evitando, assim, que recenseadores e moradores se expusessem ao risco de contaminação. Depois, já em 2021, houve o cancelamento da pesquisa pela falta de recursos no orçamento do ano. Em 23 de abril de 2021, Waldery Rodrigues, Secretário Especial da Fazenda do Ministério da Economia, veio a público anunciar: "Não há previsão orçamentária para o Censo em 2021. Portanto, não se realizará em 2021. As consequências e gestão para um novo Censo serão comunicadas ao longo deste ano, em particular, a partir das decisões tomadas pela junta orçamentária".

​

Míriam Martins, economista e professora da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), explica os reflexos imediatos da não realização da pesquisa. No caso da pandemia, por exemplo, uma vez que a última “fotografia” que temos do Brasil é de 2010, não há como saber quais as reais taxas de infecções, ou de mortalidade, e até mesmo se a distribuição das vacinas foi feita da forma correta. “O impacto dessa pandemia serve para a gente se precaver para as próximas. Até na forma como foi feita a gestão tardia, as medidas sanitárias”, analisa. 

​

Segundo a docente, os imunizantes foram distribuídos de acordo com os critérios de idade levantados com base no último Censo, mas essas informações já estão ultrapassadas. Em alguns municípios, houve até mesmo falta de vacina pela falta de planejamento, além da falta de leitos, relata: “não houve um planejamento. Então, vai ser importante sabermos o que aconteceu através deste levantamento para que possamos ser mais enérgicos nas cobranças, nas atitudes das ações políticas e sanitárias”. 

​

Os resultados do Censo, além de retratar a realidade do Brasil como um todo, ajudam no desenvolvimento de pesquisas, políticas públicas e estratégias econômicas. Míriam explica que o Censo é complexo e leva muito tempo para ser planejado. Por ser uma pesquisa muito abrangente, os cortes bruscos podem influenciar em sua qualidade: "a suspensão demanda adequações, mas não temos tempo para rediscutir sobre seus impactos. A pesquisa acaba perdendo em qualidade", explica.

​

A comparação dos resultados do Censo com uma fotografia do país não é à toa. Erick Fontenele, sociólogo, funcionário da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF) e Coordenador de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas do órgão, explica: "Esse tipo de pesquisa é como uma fotografia do Brasil. Porém, sem a aplicação desses dados é uma fotografia embaçada da sociedade. Você não consegue ver os dados que tem ali”. Fontenele complementa: “Os gestores teriam que criar políticas públicas e estratégias com base em dados de 2010, para projeções de 2021, 2022. Então há uma distorção da imagem do país e é claro que vai haver consequências graduais”.

Os gestores teriam que criar políticas públicas e estratégias com base em dados de 2010, para projeções de 2021, 2022. Então há uma distorção da imagem do país e é claro que vai haver consequências graduais.
 

Erick Fontenele, sociólogo, funcionário da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF) e Coordenador de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas do órgão

A realização do Censo e outras pesquisas nos permite conhecer todos os lados da população brasileira.

Foto: Lívia Maria/Montagem: Julia Maia e Livia Maria.

O Censo e o IBGE 

Bruno Presley, geólogo e funcionário da SSP-DF, explica que “o IBGE é um órgão federal que abarca muitos recursos para uma pesquisa a nível nacional e o país inteiro pode utilizar os dados dessa pesquisa”. O Instituto tem como objetivo prover dados estatísticos e informações sobre e para todo o país, atendendo às necessidades da sociedade civil, assim como as necessidades de seus órgãos governamentais, nas esferas federal, estadual e municipal. 

​

Entre as pesquisas promovidas pelo órgão, algumas são consideradas essenciais para a gestão pública do país. De acordo com Raphael Antunes, advogado e Técnico em Informações Geográficas e Estatísticas do IBGE e Gerente da Unidade do IBGE na Região dos Inconfidentes, em Ouro Preto - MG, são elas: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), Pesquisa Anual de Serviços, Pesquisa Anual de Comércio, Pesquisa Industrial Anual, Pesquisa Anual da Indústria da Construção, Pesquisa de Informações Básicas Municipais (Munic),  Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) e Registro Civil.

​

Contudo, o Gerente do IBGE explica que a pesquisa do Censo é a maior e mais importante de todas, uma vez que é realizada em todos os municípios, sem exceção. “Onde existem pessoas, onde existe casa, barraco ou alguma espécie de construção servindo de domicílio, nós vamos atrás para verificar qual é a situação, ele é o objeto da pesquisa”, detalha Raphael.

​

Toda pesquisa censitária é uma pesquisa universal. E toda pesquisa desse tipo envolve uma consulta a todos os âmbitos que envolvem pessoas, suas formas de vida, localidade e grupos familiares, buscando entender a fundo cada um deles. No caso do Censo, a pesquisa auxilia também na realização de levantamentos amostrais, aqueles em que apenas uma parte da população é investigada. Segundo o Gerente do IBGE, “a pesquisa censitária equilibra as nossas pesquisas amostrais. A gente vai fazendo as nossas pesquisas de amostras e em algum momento utilizamos a pesquisa censitária para verificar se os indicadores que nós obtivemos fazem sentido e se são válidos”.

​

A realização do Censo é uma ação extremamente cara e, por isso, a aplicação a cada dez anos é suficiente. Também é possível utilizar os resultados percentuais amostrais como base comparativa, uma vez que seus resultados são muito próximos aos resultados do Censo. “Por isso que a gente não faz um Censo sempre. A gente substitui o Censo, em um determinado período, por pesquisas amostrais. [...] então com algum tempo a gente precisa voltar a fazer uma pesquisa estrutural, como o Censo demográfico, para balizar os nossos indicadores de novo”, explica Raphael. 

​

Marilene Silva Gurgel foi recenseadora do IBGE nos anos de 1991 e 2000. Ela trabalhou na coleta de dados ainda através do papel e se apaixonou pelo trabalho e pelo órgão de pesquisa. Em 2006, entrou como concursada no Instituto e atualmente trabalha na sede do órgão em Ouro Preto - MG. “Fazer parte disso é muito gratificante, apurar esses dados e mostrar a realidade do que é o Brasil”, conta.

Durante o Censo, o IBGE aplica pequenos questionários nos domicílios, com o objetivo de traçar o seu perfil dos moradores assim como o de suas famílias, apurando dados sobre natalidade, fecundidade, mortalidade, além de questões como acesso à água e saneamento básico. Bruno Presley resume a tarefa: "o recenseador bate na porta de cada um e faz várias perguntas, desde o seu salário mínimo, até o tanto de arroz que ele come por semana. É como um ‘pente fino’”. 

​

Antes de ser aplicado, o levantamento passa por adaptações e inovações, com muita seriedade. É preciso levantar o maior número de informações legais sobre aqueles moradores para entender sua respectiva realidade. O sociólogo Erick Fontenele reforça que toda e qualquer pesquisa é pensada com o interesse de conhecer o seu público alvo e com o Censo não seria diferente. “Ela é pensada para entender a população atual. No período colonial havia perguntas no questionário que hoje em dia não se aplicam mais, questões sobre escravos livres e não livres, por exemplo”. 

​

Para Cláudio Horst, sociólogo e professor da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), “a ausência de um Censo traz impactos profundos em uma crise sanitária, econômica e política. Sem esse levantamento, capaz de trazer um panorama da realidade brasileira, a gente coloca em xeque a possibilidade da construção de um projeto democrático de país”.

A ausência de um Censo traz impactos profundos em uma crise sanitária, econômica e política. Sem esse levantamento, capaz de trazer um panorama da realidade brasileira, a gente coloca em xeque a possibilidade da construção de um projeto democrático de país.

Cláudio Horst, sociólogo e professor da Universidade Federal de Ouro Preto 

Brasil com Censo é Brasil democrático

A não realização de um Censo afeta diretamente a democracia do país, uma vez que toca em questões políticas. Afinal, a democracia é entendida como um regime político em que os cidadãos detêm o poder e confiam parte deste poder ao Estado. Ou seja: a população tem direito de participar da política de determinado local e todas as decisões devem estar em conformidade com a população e sua configuração. O Brasil é considerado um país democrático e consta no artigo 1º da Constituição Federal de 1988 que o país é um Estado Democrático de Direito.

​

De acordo com o professor Cláudio Horst, a ligação do Censo com um projeto democrático está relacionada ao acesso à informação: “é com base em dados da realidade brasileira que a gente pensa em estratégias para realizar a participação popular no debate público”. Mesmo com a pandemia, afirma o docente, é de suma importância que o Censo seja realizado. Pois os resultados da pesquisa, mobilizam “pautas, tanto da contestação de governos que são contrários ao povo, como também dados e informações que possibilitam que a gente reforce a participação pública, as lutas e resistências em favor do interesse do povo”. 

​

A professora Míriam Martins também corrobora a importância do Censo para as reestruturações sociopolíticas, uma vez que a pesquisa é como um retrato socioeconômico demográfico de um certo período. “Como vamos pensar em transferência de renda, auxílio emergencial, problemas de saúde, auxílio alimentação? Como vamos saber qual é a quantidade de recursos necessários [para cada uma dessas áreas]? A gente não sabe quantas pessoas estão em situação de vulnerabilidade e, mais importante: onde elas estão”. Segundo a economista e pesquisadora, a pobreza e a miséria afetam as regiões do país de forma diferente. “A gente tem que saber em quais regiões [a situação] está pior para a gente direcionar essas políticas e fazer essa retribuição”, explica.

​

As políticas públicas incluem diversos programas, ações ou decisões tomadas pelos governos que buscam assegurar os direitos e a cidadania da população, beneficiando grupos ou segmentos sociais, culturais, étnicos e econômico. Esses direitos estão, inclusive, assegurados pela Constituição Federal de 1988.

Por esses e outros motivos, a Comissão Consultiva do Censo Demográfico, entidade consultiva que auxilia o IBGE, assinou uma carta aberta, divulgada em 2 de abril de 2021, defendendo a recomposição do orçamento destinado à execução da pesquisa e sua realização ainda neste ano. No documento, os integrantes consideram o Censo Demográfico como uma das pesquisas fundamentais do Brasil e que as políticas públicas e as decisões de investimento do setor privado e da gestão pública precisam dele para serem bem executadas. Além disso, eles reforçam que a pesquisa fornece um retrato do país, registrando sua população em suas peculiaridades, entendendo a realidade da sociedade brasileira. 

​

Cláudio Horst, sociólogo e professor, explica que as políticas públicas não são e não devem ser criadas por “achismo” de um determinado grupo que está no poder. Historicamente, ele diz, “as políticas públicas são construídas a partir das necessidades reais da população, e essas necessidades são identificadas a partir do Censo”. Isto é, mesmo que o Brasil conte com outras pesquisas, o Censo é aquele com maior possibilidade de oferecer os indicadores nacionais que vão orientar a construção e o funcionamento de políticas sociais, além de contribuir para a redução de desigualdades. Essas políticas englobam áreas como saúde, educação, saneamento básico, habitação, trabalho, transporte e diversas outras. Todas com impacto direto na vida das pessoas.

Políticas públicas e cidadania

Criado em 1999, o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), criado pela Medida Provisória nº 1.827, de 27 de maio de 1999, tornando-se a Lei nº 10.260, em 12 de julho de 2001, é uma política pública nacional que visa oferecer financiamento estudantil para alunos de  faculdades privadas. Através do Programa, é possível conseguir 50% ou 100% de custeamento nas parcelas dos cursos de Ensino Superior. Sendo assim, o estudante paga uma taxa bem menor de mensalidade, enquanto o restante é subsidiado por bancos públicos ou privados. Após dois anos de conclusão do curso, o beneficiário poderá quitar esse valor. 

​

Outro Programa oferta bolsas totais e parciais, que isentam o pagamento após a formatura. Trata-se do Programa Universidade para Todos (ProUni). O ProUni foi criado em 2004 e sancionado no ano seguinte, através da Lei 11.096/2005, com o intuito de aumentar o número de pessoas ingressantes no Ensino Superior no Brasil. Através do ProUni, o aluno cuja renda familiar seja de até 1,5 salário mínimo por pessoa pode conseguir uma bolsa integral de estudo. Já aqueles que contam com  renda bruta mensal de até três salários mínimos podem conseguir bolsas parciais, de 50%.  

 

Entre os anos de  2009 a 2017 com o ProUni em vigor há quatro anos, e o Fies a oito, pôde-se notar um salto significativo no número de estudantes ingressantes no Ensino Superior privado no país. Em 2017, segundo o Censo da Educação, esse número já havia saltado para mais de meio milhão de pessoas inscritas no Ensino Superior através do ProUni: 609.434 matriculados. Já o Fies, se destacava com mais de um milhão de financiamentos, totalizando 1.070.460 pessoas, quase dez vezes a quantidade de 2009, que girava na casa de 130 mil matrículas. De acordo com o último Censo da Educação, divulgado em 2019, cerca de 68,9% dos estudantes de faculdades privadas utilizam o Fies, enquanto 23% eram beneficiados pelo ProUni.

João Medeiros, 22, estudante de Jornalismo na Universidade do Vale do Paraíba (Univap), ingressou na instituição privada através dos programas de financiamento estudantil e de bolsas parciais, concedidas pelo Governo Federal, e relata que “eu me olho hoje em dia, tipo em 2017, quando terminei o segundo grau para agora, e sem condições nenhuma de conseguir ingressar na faculdade se eu não tivesse o ProUni ou Fies”.

​

João foi bolsista integral do Fies durante dois anos e em 2020 conseguiu uma bolsa de 50% do ProUni. Para ele e muitos outros jovens, ter uma bolsa é o único meio de conseguir ingressar no Ensino Superior. “O meu noivo é formado em Arquitetura e Urbanismo pelo ProUni 100% e ele é uma pessoa que vem de uma classe muito baixa aqui de São José dos Campos. [...] se ele não tivesse tido acesso ao ProUni, ele não teria conseguido se formar”, relata.

​

Mas nem tudo são flores, ingressar em uma Faculdade privada também é estar em contato com realidades muito diferentes e, muitas vezes, os beneficiários dessas políticas acabam sendo vítimas de exclusão e preconceito, por parte de estudantes não bolsistas. Segundo João, “[...] tem o povo que se acha muito, que vai com o carro do ano, o iphone, o macbook e que se acha superior a todo mundo, que olha torto pra quem sabe que é bolsista [...] nos outros blocos [da Universidade] você consegue enxergar essa diferença ainda maior, as pessoas são literalmente isoladas, elas se sentem isoladas”. Apesar disso, o estudante destaca que o benefício concedido pelos Programas de Financiamento Estudantil é uma oportunidade para diminuir a desigualdade no acesso à educação no Ensino Superior.

João Medeiros, 22, estudante de Jornalismo na Universidade da Univap
00:00 / 00:51

A aposentada Cidalia Silva, 62, mora em São José dos Campos e é uma das muitas pessoas beneficiadas de uma política pública orientada por estudos demográficos que atestam o histórico déficit habitacional do país. O Programa “Minha Casa, Minha Vida”, no qual está inscrita, foi criado pela Medida Provisória Nº 459, de 25 de março de 2009, convertida na Lei 11.977, de 7 de julho de 2009, e leva em conta além da renda da família, o valor do imóvel e a localização da propriedade. Até setembro de 2020, o Programa havia ultrapassado a marca de seis milhões de contratações, com mais de cinco milhões de unidades habitacionais entregues.

Cidália conta que em 2012 decidiu vender o apartamento onde morava e comprar uma casa melhor, e que somente na hora de ir ao banco para tratar do financiamento soube que teria acesso ao benefício do Minha Casa, Minha Vida, devido a sua baixa renda. “Para o financiamento, eu dei o valor do apartamento, que foram R$ 60 mil, mais R$ 10 mil de um dinheiro que eu tinha, e financiei o restante, que foram os R$ 30 mil pelo Programa ‘Minha Casa, Minha Vida’; e ainda tive o abatimento de R$ 17 mil”, conta. Para a aposentada, uma das qualidades do Programa são suas parcelas de valores decrescentes, “o valor que eu financiei, as parcelas ao decorrer do tempo são de valores decrescentes. Eu comecei pagando parcelas de R$ 190 e hoje as parcelas são de R$ 154 Para mim, foi muito bom, porque agora, faltam apenas três anos para eu terminar de pagar a minha casa.

Aposentada Cidalia Silva, 62, mora em São José dos Campos
00:00 / 00:42

Isso se deve pela divisão dos recursos que o Programa habitacional utiliza, organizada pela seguinte denominação de “Faixas 1, 1,5, 2 e 3”. A “Faixa 1”, se refere àqueles beneficiários com a renda mais baixa, no qual o imóvel é quase todo subsidiado por recursos da União e não possui pagamento de juros. Em 2009, representava as famílias com renda bruta de até R$ 1,3 mil. Em 2019, esse grupo passou a ser considerado com aqueles que tinham renda bruta de até R$ 1,8 mil. A “Faixa 2” representa a maioria dos beneficiários, onde existe uma pequena taxa de juros, contando com recursos da União e do FGTS. Em 2009, representava renda familiar de até R$2,7 mil, e agora, R$ 4 mil. Na “Faixa 3”, as taxas de juros são maiores, e utilizam de recursos exclusivos do FGTS, com as rendas de até R$ 4,6 mil em 2009, na fase 1, e até R$ 9 mil, na atual fase. A “Faixa 1,5” foi criada em 2016, e se mantém tolerante a rendas de até R$ 2,3 mil, contando com uma taxa de juros menor que a segunda faixa e também com recursos divididos entre União e FGTS. 

Há também políticas públicas de âmbito local e muito relevantes. Lauro Luiz, de Caraguatatuba, litoral norte de São Paulo, é professor e através do Programa de Educação em Prisões, da Secretária de Administração Penitenciária do Estado, leciona aulas em um dos presídios da cidade. Ele explica que, para que o projeto funcione, tem que existir uma parceria entre a casa de detenção e uma escola. Normalmente a mais próxima do local de reclusão. “Todo ano tem um processo de atribuição de aulas no estado, que obedece uma série de parâmetros. O efetivo do cargo escolhe dentro da sede dele, que é a escola onde ele trabalha”. 

​

Segundo Lauro, “quando se escolhe as aulas, no processo de inscrição, você pode optar por participar de algum projeto que eles oferecem, e aí tem a educação prisional, tem na Fundação Casa, tem o EJA, que é educação para jovens e adultos, e diversas outras vertentes que às vezes são desconhecidas da população”. A educação prisional é um direito previsto por lei, porém apenas um a cada dez presos têm acesso a ela. O professor explica que tal política tem como um de seus objetivos a redução da baixa escolaridade entre presos.

Professor Lauro Luiz, de Caraguatatuba, litoral norte de São Paulo
00:00 / 00:43

Futuro em aberto

Sem o Censo Demográfico do país, sem os dados produzidos a partir desta pesquisa, o que temos do Brasil é uma fotografia incompleta, embaçada e sem registros concretos. Experiências de cidadania relatadas acima estariam diretamente desamparadas, tanto no setor econômico, quanto no social ou no educacional. O hiato de mais de dez anos sem dados consolidados sobre o país afeta diversos âmbitos da sociedade, com reflexos não só para o futuro, mas também imediatos. 

​

A ausência de dados afeta financiamentos em setores públicos e privados, uma vez que estes utilizam da distribuição populacional cedida pelo Censo. “Os setores utilizam do conhecimento do perfil populacional das regiões para estabelecer estratégias de mercado, de investimento e até de abertura de empresas. Então quando não há esses dados isso prejudica o planejamento e até pesquisas do próprio mercado”, exemplifica a professora Míriam Martins. 

​

Além destes investimentos econômicos, os repasses feitos para as Prefeituras podem ser prejudicados. Principalmente em municípios pequenos, nos quais a migração é mais intensa e constante, e o valor do repasse pode não ser capaz de suprir sua atual demanda. Para Míriam, eis a importância do Censo em nossas vidas: "não basta saber quantos somos, mas também como estamos distribuídos entre as milhares de cidades brasileiras. Pode ser que um município tenha sofrido uma grande perda populacional, o Censo pode nos responder isso, porque ele tem perguntas sobre migração", explica.

​

Além das questões econômicas, sem o Censo, o Sistema Único de Saúde (SUS) não seria executado de forma tão eficiente. O sociólogo e professor Cláudio Horst explica que graças à pesquisa, historicamente, foi possível definir indicadores de saúde voltados para determinada população, incluindo as estratégias de vacinação, o número de mulheres que irão realizar o exame de mamografia em determinada região, ou a quantidade de exames para sarampo que vai para determinado local. 

​

Com os dados do Censo foi possível, inclusive, nos anos 2000, planejar a retirada do Brasil do mapa da fome, construindo então uma política de segurança alimentar a partir do apoio de dados do IBGE, além de políticas de educação. 

​

O sociólogo Erick explica que, sem a aplicação do Censo, a realidade pós pandêmica pode ser afetada, uma vez que não haverá a possibilidade de criar estratégias. “Considerando uma outra pandemia como essa, você teria uma melhor noção de dados de pessoas empregadas, em estado necessário de receber auxílio emergencial e melhores estratégias de vacinação”, cita o especialista. 

​

Com o passar do tempo, os dados do Censo vão perdendo sua precisão, por isso a necessidade de execução a cada dez anos, pois o país é dinâmico e está em constante evolução. Além disso, não só a aplicação do Censo é suficiente. É preciso que os municípios entendam sua importância e sua necessidade e utilizem seus resultados para promover melhorias. “O nosso papel é mostrar que as coisas são como estão, as coisas são assim nesse momento, daí se isso vai se transformar em política, em melhoria, em qualidade de vida para as pessoas e para o cidadão, não depende do IBGE. O nosso trabalho não é resolver o problema, nosso trabalho é mostrar que o problema existe ou que as soluções existem ou que algo melhorou”, defende Raphael Amaral, Gerente do IBGE na Região dos Inconfidentes, em Ouro Preto - MG.

​

Se você mal se lembra quem era há dez anos, como daqui há mais dez anos lembrará de quem você é hoje sem os registros “fotográficos” feitos pelo Censo? É por causa de pesquisas como essa que nós sabemos que em 2010 haviam 11.734.129 de Marias registradas no país. Muitas delas, brasileiras, mães solo, pretas, empregadas domésticas e assistidas por políticas públicas, que precisam do Censo para não serem só mais uma neste país.

 "Um Brasil com foco é um Brasil que conhece a sua população. Um Brasil com foco é um Brasil democrático"

Foto: Lívia Maria/Montagem: Julia Maia e Lívia Maria.

*Capa: Foto: Lívia Maria/Montagem: Julia Maia e Lívia Maria.

bottom of page